Diários visuais da quarantena, Inabitável #2

O segundo (anti)episódio de “Inabitável”:

“essa rádio está boa, moça?”
“está ótima,
muito obrigada”

(penso:
não
enquanto
as músicas
de todas as corridas
falarem comigo –
frágil testemunha
de um crime sem perdão –
eu não roí
unha nenhuma
o ombro esquerdo ainda
fisga e arde
a água quente se lembra
do caminho vermelho
da glosa grosseira
manuscrita
entre as minhas pintas
mais bonitas
um ‘nem pensar’ cuspido
entre dentes tortos
decretei lockdown dos sentidos
muito antes do(s) vírus
todas as bebedeiras
desde a primeira
demoraram a passar)

“o GPS encontrou uma rota mais rápida”
“pode seguir por ela, então,
muito obrigada”

(nos mapas que sobreviveram
nos separa
uma geografia intocada:
não se assuste –
é somente
água).



***
Créditos:
Música de fundo: Refrão de bolero – Engenheiros do Hawaii
Locução: primeiro verso do poema “Agradecimento”, de Wisława Szymborska, recitado pelo Google Translator, no original em polonês
Montagem, texto e edição de som e imagem: @annaclaradevitto

diários visuais da quarentena, #5 – um experimento

um processo
dentro de um processo
e eu
ainda não acabei
os algortimos parecem antecipar
meus movimentos
na verdade, os algoritmos
não entendem nada
as casas dos algoritmos
são inabitáveis
alguém deveria acionar
a vigilância sanitária
os algoritmos acumulam lembranças
causam incêndios
atraem peçonhas
agouram desastres
eu gosto das canções
que os algoritmos sugerem
mas, não, eles não entendem
as canções das galáxias
presumem que não as ouço
porque não posso vê-las
só posso adivinhá-las
esperar por elas
como se espera o fim
de uma quarentena
ora, direis,
ouvir algoritmos!

(isso não é um poema).

o olhar despedaçado – narrativas visuais da #quarentena

…mas ela ainda tem um blog?

pois é! sempre quebro a promessa de postar frequentemente, c’est la vie, só que fomos arremessades, sem qualquer aviso, numa situação de pouquíssimos precedentes na história moderna. em um tempo de olhares limitados pelo isolamento, de espaços tolhidos, de afetos transmitidos via live. não preciso dizer que a arte tem papel absolutamente fundamental na ressignificação do caos. por isso, começo hoje um experimento visual. a cada dia, procurarei capturar algum detalhe do meu confinamento, jogando com fotografia analógica (polaroids) e digital, na tentativa de desvendar outras possibilidades de horizonte.

…mas você não é poeta? por que fotografia?

porque poesia existe além de texto e página 🙂 as imagens analógicas desse primeiro dia de experimentos podem ser chamadas de erros, de fotos que não deram nem um pouco certo. o olhar confinado, para além de filtros e fotos posadas, não poderia ser também uma fotografia ruim, estourada, fora de foco, borrada, queimada? o que ainda é possível ver?

convido vocês a tentar descobrir comigo ❤

Repito a pergunta: o que ainda é possível ver no confinamento?

Beijos isolados,

Anna Clara

um #tbt talvez tardio sobre o dia em que nunca mais fui a mesma

FLIP 2019 chegando!

Certamente, para todes autores ou pessoas que amam literatura, esse período do ano é um grande momento. A ansiedade de participar da minha segunda FLIP, dessa vez com participação em um sarau lindo (já já falo um pouquinho mais dele), se soma a pouco mais de dois meses de nascimento da Água indócil, na mágica noite de 24 de abril de 2019, na Casa das Rosas, esse espaço que transborda de cultura e de boas memórias e que, durante 2018, foi minha segunda casa (sdds, CLIPE!).

E o mais especial de tudo é que outras três potências nasceram junto da minha Água, e foram elas: Bruxisma (Pilar Bu), Atlântida (Ana Beatriz Domingues) e Eu não consigo parar de morrer (Camila Assad).

Nada melhor para agradecer pelos caminhos já trilhados e pelas estradas a trilhar do que se lembrar dos começos, ama como a estrada começa, já dizia Mario Cesariny (obrigada, Ana Rüsche, por me apresentar a esse poema tão profundo <3).

Então, fiquem com algumas fotos da maravilhosa Mayara Barbosa:

Como se diz, esse dia foi loko! hahahahahaha

Mas tem muito mais vindo por aí e logo eu apareço por aqui para falar dos vários projetos que ando tocando e testando (spoiler: tem uma plaquete artesanal!)

Por enquanto, para quem for à FLIP 2019, eis minha participação:

E então, nos vemos?

Até as próximas postagens, e prometo não abandonar o blog! 😉

expansão #1

a madeira vibra a fórmica brilha vibra minha mão transpira demais como sempre eu vibro com a madeira e a fórmica ou a fórmica e a madeira me vibram eu não sei mais respirar acordei sem ter dormido e o que é que eu faço com isso o que é que eu faço com tudo isso meu deus e eu nem acredito em deus nenhum o que é que eu faço com você a mesa vibra na palma grudenta e ridícula da minha mão e eu me alegro por poder disfarçar o fato de que eu desaprendi a respirar pesadelo é um clichê dispensável e o que é que eu faço com você?

o que é que
eu faço
com você?

mais nada. encaro os óculos na minha mão direita avulsos como se. desprezo mirou de volta. mas não naquele dia. não daquela vez. pressiono falanges metacarpos carpos contra as orelhas até crer-me imune. umidade. penso: dose sublingual. mas ainda não.

ainda não acabei

estou sentada debaixo do chuveiro as pernas bem abertas os olhos bem fechados

ainda não acabei

eu não pedi para parar quando senti dor e mesmo assim dor

ainda não acabei

quando eu pedi para parar, você: 

ainda não acabei

as notícias são as piores possíveis que tipo de mulher aceita passagem pro estrangeiro?

ainda não acabei

de puxar esse fio eterno de dentro da minha — 

ainda não acabei

mas quando acabar

uma nova galáxia estampará
a pele do universo em expansão.